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3 de junho de 2009

meio cheio ou meio vazio?

A pergunta que muitas vezes nos distingue, que distingue a nossa atitude perante a vida, como convivemos com os nossos desgostos, com as nossas frustrações, com as incertezas da nossa vida.

O que faz com que muito para mim possa ser pouco para a pessoa que está ao meu lado? A nossa vivência, a nossa educação? Claro que sim. Também, mas não só.

Quem tem mais do que um filho sabe que assim é. As experiências de cada um deles são semelhantes mas não iguais. Não acredito quando ouço um pai dizer que ama todos os filhos por igual, que deu o mesmo a todos eles e que educou todos de igual modo. Para mim isso é impossível por várias razões. Os filhos são todos diferentes e a nossa relação com eles também tem de ser. Aí está a magia.

Eu acredito que só me fez bem ver a vida como ela é, saber que muitas vezes não havia dinheiro sequer para pagar as contas mais básicas. Acredito que o que o meu professor de música (da instrução primária) se divertia a mostrar aos meus colegas as minhas meias passajadas me fortaleceu. Hoje, às vezes quando me lembro disso, faço-o com um sorriso e pergunto-me o que leva um adulto a fazer isso a uma criança? Coitado. Acho que se chamava Luís, mas podia ser outro nome qualquer, não interessa.

Acredito também que só me fez bem ouvir as discussões dos meus pais. Lembro-me delas claro, mas o que eu recordo mesmo são os abraços deles e o amor que sentiam um pelo outro. Na minha memória estão coisas boas.

Quando eu era bem pequenina o meu pai teve um acidente muito grande. Por causa dele esteve muito tempo sem trabalhar. Os tempos eram outros, não havia seguros nem outras garantias sociais que, mesmo assim, vão valendo a muitos hoje em dia. Isto trouxe grande dificuldades a uma família de seis em que só pai tinha ordenado.

Toda esta experiência de vida, me faz ver que para mim o copo está definitivamente cheio. Dou muito valor a tudo o que tenho e sei que tenho muito.

Hoje, escrevi estas palavras numa igreja de Lisboa. Uma Igreja que eu não sigo e em que não acredito. Vim acompanhar a minha mãe, que segue e acredita e onde veio, mais uma vez, buscar consolo.

Faz hoje dezassete anos que um dos meus irmãos achou que o copo estava meio vazio e decidiu deixar-nos. Foi também numa quarta-feira. Fica a angústia do que por não saber ficou por fazer. Fica a revolta com o resultado de tratamentos despersonalizados e e despersonalizantes. Fica a Saudade e o vazio daquilo que poderia ter sido e não chegou a ser. Olá Paulo!

6 comentários:

  1. Por isso devemos aproveitar bem o copo.
    Hoje é um dia triste para ti, mas fizeste o que podias, fazes o que podes, e por isso, mesmo com as tristezas és uma linda mulher com um lindo sorriso... e lindas palavras que ajudam a entender coisas :D
    thanks!

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  2. Rosário,
    este é, por diferentes razões, um post que não vou esquecer.

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  3. entendo-a perfeitamente! também eu sou "do copo meio cheio" talvez por ter passado uma vida em que tudo consegui com luta e muita coisa me falta, ainda!
    respeito quem sente o copo meio vazio, por achar que sofrem muito, nunca estão, sobretudo, bem com eles, por isso, reforço, sofrem.
    e alguns têm dificuldade em viver assim...
    um abraço para si, Rosário

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  4. Olá, Rosário, gostei do que escreveste.
    Deixa que diga de mim.
    Perder um filho é ganhar um vazio, adquirir uma dor solitária que, por muito que dela nos resguardemos, fica a fazer parte de nós, cá dentro, aprisionada, para não mais nos largar. Surge-nos quando menos a esperamos, tal como a lembrança guardada na memória.
    Dou, como tu, valor a tudo o que tenho, o meu copo cheio, nele se incluindo, sem que isso o extravase, a dor pela perda.

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  5. Gostei do que acabei de ler.
    Também eu sou adepta do "meio-cheio".
    Um abraço grande para ti :)

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  6. amiga... só hoje li este post... enquanto enviava o comentário anterior... reparei aqui ao lado o tag para "Paulo"....vim ver... pois conheço a história.... já ma contaste... mas queria conhecer um pouquinho mais...é incrível o quanto de ti pões nas palavras escritas... a liberdade que elas ganham...parece-me a mim, que quando as tens de dizer "faladas" demoras mais... ponderas mais... "arriscas" menos... mas é sempre tão bom ouvir-te ou ler o que tens para dizer... ainda que nem sempre seja só brincadeira e risota... sabes que te respeito muito e que tenho grande amizade por ti... e HOJE, amiga... estas palavras, que aqui escreveste há quase um ano,faziam-me falta, de verdade... obrigada por partilhares...e, com todos estes anos de distância, queria dizer-te que sinto muito...e que tenho pena de não ter estado estado para ti nessa altura... há pessoas que gostaríamos de acompanhar toda a vida... tu és uma delas!!

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